07
jun

O cuquinho não canta mais.

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Vida dura

O cuquinho – Sempre estávamos em casas diferentes, ora em uma casa pequenina paredes escuras, pouco sol entrava, ora em outra casa com cheiro de parede molhada. Minha mãe sentada na beira da cama de madrugada chorando mansinho para não nos acordar. Três filhos ela teve, eu a caçula, meu irmão do meio e minha irmã mais velha. Não tinha jeito eu dormia na mesma cama que ela, tudo via e sentia só não entendia muito bem. Achava que ela sentia muitas dores. Mais tarde entendi que eram dores de coração.

Os cucos

Nestas casas diferentes, ela falava que o mais precioso que ela tinha na vida eram seus três filhos e os dois relógios cucos. até nome eles tinham. O Artur ela ganhou no dia do casamento, o outro, Merlim, ela herdou dos pais. Merlim acima do Arthur. Ela se fazia de forte, arrumava seus filhos, os relógios e suas mudanças. Os móveis já estavam ficando estragados de tantas mudanças. No total foram treze. Ela mesma falava que nossa vida era de ciganos. Eu ficava admirada pela beleza do cuquinho do relógio cuco, Merlim abria a portinha e cantava várias vezes.

Vontade de criança

Queria tê-lo em minhas mãos. Queria brincar com ele, ouvi-lo cantar na minha mão. Queria dar comidinha, banho, À noite ele poderia dormir ao meu lado. Quem sabe poderia cantar para que minha mãe não chorasse à noite. Meu pai era caminhoneiro. Mal vinha para casa. Éramos deixados de lado na vida dele. Talvez ele não se importasse. Vivia nos deixando à míngua. Minha mãe se matava na máquina de costura para nos criar. Sempre a via na cozinha fazendo comida, na sala costurando ou no quarto chorando.

Vontade realizada

Um dia, eu devia ter uns três ou quatro anos, meu pai chegou depois de tantos dias fora de casa. Disse um oi e passou direto para a cozinha. O Arthur tinha acabado de cantar e como sempre eu estava embaixo olhando, admirada. Meu pai chegou perto de mim e parecia que sabia o que eu estava pensando. Perguntou se eu queria o cuquinho. Eu disse que sim. De alguma forma e com alguma ferramenta tirou o passarinho e me deu. Peguei o Arthur com a mão bem fechadinha para ele não fugir e corri para o quintal para brincar com ele. Falei para ele – Arthur, eu quero muito brincar com você, mas não vou poder brincar se você voar. Você promete que não vai fugir de mim? Não tive resposta e falei de novo. – Arthur, por favor, não fuja de mim. Prometo que vou cuidar de você e que vamos brincar bastante. Você não vai mas ficar preso naquele relógio. Nada. Nenhum sinal. O cuquinho não se mexia. Fiquei um bom tempo pensando e pedindo para que ele não voasse.

Dor

Abri um pouquinho a mão e olhei dentro. Ele estava lá. Tomei coragem e abri devagar. Ele ficou ali. Imóvel. Cutuquei e ele não se mexia. –Arthur, vamos brincar. Vem, canta pra mim. Não se mexia e não cantava mais. Matei o passarinho. Coloquei-o na minha cama como querendo que ele dormisse. Chorei. Chorei muito. Chorei algumas horas.

Coragem

Peguei o Arthur e levei para minha mãe. Segurando-o com as duas mãos mostrei para ela – Mamãe, matei o Arthur. Ele olhou para minhas mão e para o passarinho, olhou para mim com os olhos vermelhos e molhados, olhou para o relógio sem o passarinho. Ficou assim algum tempo. Com esses olhos molhados abriu um sorriso consolador.

Vida normal

Cresci com essa sensação de tê-lo matado. Meu pai caiu na estrada, como sempre nos vendo de vez em quando e só providenciando nossas mudanças das casas que ele não podia mandar o dinheiro do aluguel. Hoje sei que ele fazia o melhor que podia. E o tempo, ah.. o tempo !!! as vezes tão duro, as vezes tão suave….e mesmo assim quando olhamos para trás, dá muita saudade daquele que não voltará mais.

“Os dois cucos vieram para restauração comigo e o Arthur não existia mais. Consegui um cuco e o instalei no relógio. A Margarete recebeu os dois relógios e o Arthur voltou para a vida dela.”

Texto criado com base em depoimento da própria cliente Margarete Elaine Stanquevitchus

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